segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Quando Você Chegou

No começo de julho de 2002, eu sabia que ja estava perto da 40º semana. Mas... Boas notícias: a pressão estava boa e estável, a proteína na urina também. Só o inchaço e a gordura não melhoraram, mas regrediriam logo depois do parto. Eu fazia tudo o que as minhas parteiras elas pediam. Eu ia poder ter meu bebê em casa e em segurança. Mas eu já estava muito ansiosa. Não via a hora dele nascer e ver aquela pessoa com quem eu havia estado, conversado e compartilhado tantas coisas por quase 10 meses e que eu esperei a vida toda...

Minha mãe chegou numa segunda a noite, ela foi embora numa terça a tarde e as dores começaram na quarta a noite (10/07). As dores começaram por volta de 22:00h e eu sabia que eram as contrações. Avisei ao pai do Kakau, meu então marido que ligou para as Enfermeiras próximo à meia noite. Elas disseram que viriam em seguida e eu danei a esperar.

Eu não dormi quase nada aquela noite, mas deixei minha mãe dormir. Parece que eu já imaginava o que viria pela frente. As dores estavam aumentando. Amanheceu. Eu ate consegui tomar um banhinho. Ainda bem, porque depois seria impossível. O pai do kakau então me contou que as Enfermeiras já estavam na cidade, mas dormiram num hotel para manter minha privacidade.

Por volta de 8:30, eu pedi que chamassem as Enfermeiras, já que as dores haviam apertado. Eu achava que a hora estava próxima. Em seguida elas chegaram. Que alívio! Fizeram massagem, deita, senta, levanta, anda, vira... E a dor continuava. Alias, aumentava. A cada contração, ela aumentava e permanecia ate a próxima contração. A piscina já estava a postos, só faltava encher, esquentar a água e mantê-la aquecida, o que foi dificílimo.

Passei a gestação toda planejando o registro do parto, mas na hora eu fiquei extremamente irritada. Quando pegavam a câmera, eu perdia a paciência. As vezes eu fazia uma força e deixava que filmassem, pois sabia que me arrependeria depois, apesar de naquela hora a gente não ter muita noção do depois.

A gravidez melhorou muito a minha vida. Meu relacionamento com todos se modificou. Amadureci, passei a ter mais paciência, calma, tolerância, freios, carinho. Aprendi a silenciar e cresci muito. Em troca disso, eu precisaria sentir aquela dor na intensidade quanto na duração. Simplesmente imensa, persistente, incontrolável, inesperada. Eu sabia que doeria, mas tinha feito todos os exercícios direitinho e não pensei que fosse ser assim.

Elas queriam que eu comesse, mas eu não queria. Acabei cedendo antes das 11:00h a um mingau de fubá que minha mãe fez e acabei vomitando-o inteiro assim que entrei na piscina uma hora depois. Eu pedia muito para ir para a piscina e elas terminaram por deixar. Eu achava que e a água era minha única esperança da dor passar ou, pelo menos, aliviar. Mas foi um erro ter insistido nisso, pois isso acabou retardando minha dilatação e, conseqüentemente, meu trabalho de parto.

Não me dei conta de que a água morna ajudava na dilatação, mas atrapalhava as contrações. Elas já estavam boas e parece que regrediram. Foi nessa entrada na piscina que vomitei tudo. A sorte foi ter uma jarra de plástico por ali e acabei vomitando na jarra! Ainda bem, porque já pensou fosse na piscina que levamos horas para encher? Que tragédia seria...

Fiquei na piscina por horas. Ate umas 14:30h. Eu tinha que sair da água, mas eu não queria, já que essa era a única maneira de aliviar um pouco a dor. A tarde chegou e eu já estava muito cansada. Chorava de dor, de desesperança.

Pedia a Deus para que tudo passasse logo. A Helo cantava para mim uma cantiga antiga das parteiras para suas grávidas no momento do parto. Perguntei qual era a Santa do parto para rezarmos para ela, sem me lembrar que era a própria Nossa Senhora do parto... E, principalmente, sem lembrar que nao sou católica!...

Eu nunca tive medo do parto, só estava ansiosa. A dor que senti neste parto foi profunda, silenciosa, para dentro. A dor me pedia para eu entrar em mim, não para gritar. Ela foi forte, mas silenciosa e constante. Dói mais "nos quartos", "nas cadeiras" do que a própria barriga.
Na hora eu achava insuportável, mas agora não tanto.

Eu planejei toda a gravidez registrar esse momento, filmando e fotografando, mas me irritava quando alguem tentava fazê-lo. Eu perdia a paciência toda vez que tentavam.

Já bem à tardinha, comecei a delirar. Dormia e acordava dizendo coisas que não tinham nada a ver. Eu simplesmente despertava falando frases inteiras que não faziam sentido. Ninguém entendia nada nem eu.

A Helo tinha dito no pré-natal a respeito do "neocortex" ou cérebro primitivo. E era ele falando mais alto! As Enfermeiras queriam que eu andasse, mas eu não conseguia. Eu dizia que eu queria, mas simplesmente não consegui me levantar. Com muito insistência, eu acabei me sentando no vaso do banheiro, mais por elas do que por mim. Dessa forma seria mais fácil o Kakau encaixar e descer.

Até então minha bolsa não havia se rompido. Me lembro que depois das 18:00 eu pensei que ele não fosse mais nascer. Achei que ia morrer e, pela primeira vez, pensei em ir ao hospital. Mas eu sabia que lá seria cesárea e isso para mim seria mais que uma frustração, seria um verdadeiro fracasso. Minha dilatação era de dois cm apenas e elas disseram que só fariam toque vaginal novamente quando achassem apropriado, mesmo que eu pedisse. E eu implorava. Logo eu que morria de medo do toque... Eu tinha esperança de estar dilatada o suficiente em cada toque e nunca quis tanto uma coisa quanto ouvir que estava com uma boa dilatação.

Pedi algo para a dor. Logo o trabalho de parto desenrolou. Quando me tocaram novamente já passava de 8, 8:15. E a resposta que mais ansiava "8 pra 9", disse a Helo. Graças a Deus, quase chorei de alegria. Mas a bolsa ainda não estava rota e elas então romperam. Aquela agua quente escorreu pelas pernas. Estranho, engraçado, mas gostoso.

Elas então me deixaram voltar para a piscina e me disseram que agora estava perto. Eu fiquei aliviada, mas nao acreditei muito. Faltavam poucos minutos para as 9 quando retornei à água.

Minha mãe falava que eu podia gritar, só que a dor é para dentro, não para fora! A vontade de “gritar” só veio depois do rompimento da bolsa, quando vinham as contrações. Mesmo assim não é um grito escandaloso: era um grito de desabafo, de saída... Tanto que quem vê a fita diz que não doeu nada!

Só neste momento eu percebi que o trabalho de parto estava acontecendo, evoluindo. Pelo menos, quando vinha cada contração, eu sabia que estava adiantando. O que me tirava do sério era a dor de antes que só aumentava, mas não progredia. Já na piscina, eu fiquei sentada sozinha, do lado do pai do klauss, meio de cócoras (parecia uma perereca, uma sapa que só não pulava por causa do peso) e no colo do pai... Foi ali que dei à luz. Colocava a mão na minha vagina e sentia a cabecinha dele, o cabelinho... A cada contração, ele se aproximava e eu o tocava melhor. Não via a hora de ver seu rosto, tinha esperado tanto por isto...

Toda minha vida e agora estava tão perto... As dores então se transformaram em dores de fazer cocô (maior, claro), mas bem melhores do que as contrações paradonas e secas anteriores. A cada contração, a cabecinha dele chegava mais perto das minhas mãos, dos meus braços.

Quando a Helo disse que em menos de 5 contrações, ele nasceria, eu não acreditei. Mas para mim, tudo bem, porque eu sabia que ele estava chegando. E minha situação já era bem melhor.

Minha mãe tinha se superado. E eu nem desconfiei que ela estava prestes a me levar para o hospital.

Depois de 3 contrações bem longas, fortes e doloridas, ele enfim nasceu. Através das mãos da Mari. Ele agora tinha um rosto. Do meu útero direto para meus braços, como sempre sonhei... Que sensação estranha... "Como aquilo podia sair de mim", "Eu sou mãe agora"...Não é amor, nem é paixão. Não é ruim também. É êxtase, alívio, magia. Alívio é a palavra chave do pos-parto.

Tinha uma volta de cordão no pescoço. Ele foi cortado com meu filho nos meu braços. Enquanto eu dizia: "Ô meu coisinha, meu coisinha de meu Deus!... Ô..." Seu chorinho, seu rostinho... Finalmente eu estava conhecendo aquele rapazinho que morou tanto tempo dentro de mim.

Só depois, ele tomou banho. Eu achava que ele não se parecia com ninguém. Nariz chato, gordo, branquelo e lindo! 51cm, 3.950g. Cinco dedinhos em cada mão e em cada pé. Todo perfeito, lindo... Ele logo mamou.

Mais tarde, depois de todos os cuidados e do alívio, as Enfermeiras nos entregaram nosso bebê e foram embora. Ficamos muito agradecidos. Somos todos muito gratos a elas e nenhum dinheiro do mundo paga o carinho, a seriedade, a firmeza, o profissionalismo, e a cumplicidade que tivemos naquele dia. Aprendi muito com este parto.

Apesar de eu ter falado tanto em dor, não é dela que me lembro. Alias, não é possível se lembrar dela. Eu me recordo muito é da emoção, dos sentimentos e sensações. Foi tudo muito legal, tanto que quero que todos os meus filhos nasçam assim: em casa, sem anestesia, sem “atrapalhações”. Eu agradeço a Deus todos os dias pelo presente que me deu naquela noite, 11 de julho de 2002, às 21:22. A dor foi grande, foi do jeito que tinha que ser e eu faria tudo de novo... E quantas vezes fossem necessárias...

Mamae Dydy 2002

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